Ademir Ifanger
Introdução
1. O Novo Testamento é o cumprimento do Antigo Testamento
Ao interpretarmos as Escrituras precisamos entender que a revelação do plano de Deus é feita de forma progressiva. O Novo Testamento é o cumprimento do Velho Testamento. Sem este, aquele ficaria confuso, incompleto, pois não teria uma ancoragem histórica anterior. Da mesma forma, sem o N.T., o V.T. não teria uma completude. No V.T. temos promessas, profecias, sinalizações por meio de tipologias etc. que apontam para um cumprimento final em Cristo.
2. Outra diferença entre o Antigo e Novo Testamento
No V.T. a missão de Israel era centrípeta, atrair as pessoas para dentro da nação. Por isso as leis, o templo, as promessas, o sacerdócio, tudo era centralizado neles. No N.T., ao contrário, a missão da Igreja é centrífuga, de dentro para fora. Vemos isso em Mateus 28.18-20 e Atos 1.8, onde o Senhor comissiona sua Igreja a sair e fazer discípulos dentre as nações da Terra.
I - COMO JESUS SE REVELA AOS DISCIPULOS
1. Progressiva, experimental e contextualmente
O processo desta revelação, ou do discipulado, é melhor entendido quando vemos a maneira usada por Jesus para se relacionar com seus discípulos. Em João 15.13-16 esse processo fica muito claro: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer. Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.”
a. Processo do discipulado:
Servo, amigo e fruto (João 15.13-16) - Primeiro, eles são servos: recebem tarefas, incumbências, orientações. Segundo, eles “vestem a camisa” como costumamos dizer. Terceiro, eles começam a dar frutos e se tornam missionários. Temos, portanto, uma progressão, tanto no âmbito da experiência como do contexto, possibilitando que as palavras de Jesus, por meio deles, encontrem espaço para sua realização.
b. Ancoragem e experiência
(João 16.12-13), Jesus fala da necessidade dos discípulos terem uma base mais sólida para conseguirem suportar o que ele ainda tinha para lhes revelar: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir.”
c. Reino de Deus e consumação
(Atos 1.6) Jesus falara com os discípulos sobre o reino 40 dias após a ressurreição (Atos 1.3). Isso refere-se a Sua segunda vinda (Mateus 24.36).
II – JESUS SE REVELANDO AOS DISCIPULOS
MATEUS 16.13-25
Hoje, no processo da Igreja de fazer discípulos, precisamos levar em conta a condição que as pessoas estão para poderem receber revelações. O capítulo 16 de Mateus nos traz bastante luz acerca dessa revelação progressiva.
1. Que diz o povo ser o Filho do homem?
“Indo Jesus para os lados de Cesareia de Filipe, perguntou a seus discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem?” (vs. 13).
Jesus dá uma dica aos seus discípulos, pois a expressão “Filho do Homem” é uma referência à sua identidade messiânica. Os discípulos precisavam saber o que o povo dizia porque eles mesmos seriam as respostas para as perguntas das pessoas. Desta forma, eles deveriam estar antenados com a realidade do mundo à sua volta.
Aprendemos então que precisamos estar antenados com o mundo ao nosso redor, com a realidade social, pois a revelação não vem a nós de forma etérea, mas por situações concretas da vida, onde as experiências e circunstâncias criam espaço para Deus nos falar. É dessa forma que respostas às perguntas da sociedade.
2. A resposta do povo
“E eles responderam: Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas.”
(vs. 14).
Essa resposta é intrigante pois o contexto da época era muito religioso – bem diferente do atual, que se caracteriza pelo relativismo e ausência de verdades absolutas. Aquele povo estava conectado com o V.T. e não tinha ideia de quem era Jesus, aquele que veio justamente para cumprir o V.T. Essa resposta também sugeria que eles criam na reencarnação, pois as pessoas que citam já estavam mortos. Assim, havia uma grande mistura religiosa.
3. A pergunta chave
“Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?” (vs. 15).
Os próprios discípulos ainda não tinham uma plena revelação do Messias, pois ele queria se revelar a eles não por um assentimento intelectual, mas por uma revelação interior contínua e progressiva. Os discípulos precisavam de revelação!
4. A resposta de Pedro
“Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” (vs. 16).
Há uma revelação fundamental nessa resposta: Jesus não era somente o Messias, mas também o “Filho do Deus vivo”. Isso não estava na expectativa judaica, pois esperavam o Messias como um rei que os governaria e subjugaria o império romano. Porém, Jesus também era um Rei e veio para cumprir o que Davi havia profetizado no Salmo 110.1-2: “Disse o Senhor ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés. O Senhor enviará de Sião o cetro do seu poder, dizendo: Domina entre os teus inimigos.”
Essa profecia cumpriu-se plenamente na ascensão de Jesus, quando ele se assentou à direita do Pai. Ele mesmo explicou isso aos fariseus que lhe questionaram: “Reunidos os fariseus, interrogou-os Jesus: Que pensais vós do Cristo? De quem é filho? Responderam-lhe eles: De Davi. Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho? E ninguém lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia, fazer-lhe perguntas.” (Mt 22.41-46).
Essa verdade foi melhor explicada pelo escritor do livro aos Hebreus: “Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles. [...] mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; e: Cetro de equidade é o cetro do seu reino. [...] Ora, a qual dos anjos jamais disse: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés?” (1.3,4,8,13).
5. A resposta de Jesus a Pedro
Seguindo o diálogo com Pedro, Jesus lhe respondeu: “Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. (v. 17)
Essa é a primeira revelação que nós, como servos de Deus, precisamos ter: a revelação de quem é Jesus. Sem isso, nada do que vier em seguida terá sentido. Ele é o centro de toda a revelação e propósito do Pai, a chave hermenêutica para a compreensão das Escrituras. Essa revelação de Jesus como Rei e como Filho de Deus é o fundamento ou a base da nossa fé: “Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus?” (1 Jo 5.5). Assim, quem crê no Filho crê na sua missão – e é isso que vence o mundo. Não é uma fé solta, descontextualizada ou desconectada de tudo, mas uma fé que procede de uma revelação divina!
6. Edificação da igreja
“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (v. 18).
A revelação dada a Pedro expressa a missão apostólica, pois naquele momento ele estava representando todos os apóstolos. Paulo diz que nós, a Igreja, estamos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a principal pedra angular desse alicerce.” (Ef 2.20). Ele faz aqui uma conexão entre os profetas (V.T.) e os apóstolos (N.T.), fato igualmente confirmado pelo escritor aos Hebreus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.” (Hb 1.1-2).
Os apóstolos eram a fonte da doutrina cristã no N.T., assim como os profetas o eram no V.T., pois suas palavras apontavam para Cristo. Mais tarde, Pedro confirmou isso: “...para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos.” (2ª Pedro 3.2). Desta forma, todas as palavras dos profetas estão embutidas nas palavras ou revelação dos apóstolos e vice-versa.
A segunda revelação que devemos ter é que Jesus está edificando a sua Igreja – e isso só é possível sobre o fundamento das palavras proféticas e apostólicas. A Igreja é a completude ou plenitude de Cristo, como disse Paulo: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.” (Ef 1.22-23).
III – CHAVES DO REINO
Jesus prosseguiu em sua revelação progressiva ao afirmar:
“Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus.” (vs. 19).
1. Através do reinar de Deus a igreja é edificada
Essas chaves só funcionam se estiverem sobre o fundamento da revelação de quem é Jesus e das palavras que nos transmitiu.
Jesus é Rei e é Filho! Sem essa revelação não temos absolutamente nada para falar ou fazer. O Reino de Deus por meio de Jesus é o centro de toda doutrina profética e apostólica, da revelação divina na história humana. Podemos falar muitas coisas boas e edificantes às pessoas, mas sem a compreensão exata desta revelação progressiva de Jesus, da Igreja e do Reino nossas palavras serão incompletas, desprovidas de valor e fundamentação.
2. Chave da edificação – discipulado
“Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia.” (vs. 21).
A obra de Deus seria plena e consistente por causa da morte, ressurreição e ascensão de Jesus.
“Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: Que Deus não permita, Senhor! Isso de modo nenhum irá lhe acontecer. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Saia da minha frente, Satanás! Você é para mim uma pedra de tropeço, porque não leva em consideração as coisas de Deus, e sim as dos homens.” (vs. 22,23).
Este é um grave problema que enfrentamos: tomarmos decisões baseados em nossos sentimentos. A natureza humana decaída sempre dá acesso a Satanás e aos incontáveis males e pecados. Em seguida, Jesus prosseguiu para um nível maior de revelação, que é a base do discipulado:
“Então Jesus disse aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; e quem perder a vida por minha causa, esse a achará.” (vs. 24,25).
Sem essa revelação e experiência não seremos discípulos. É fato que nos identificamos com Pedro, nessa sua atitude, em muitos momentos e áreas de nossas vidas. O que ele disse a Jesus foi de certa forma legítimo. Porém, se não atingirmos a condição de negar-nos a nós mesmos e deixarmos que Jesus reine, não seremos discípulos. E mais: precisamos também levar as pessoas aonde nós estamos pois isso é fazer discípulos. A velha natureza deve ir para a cruz, porque já estamos crucificados com Cristo, e a nova natureza deve estar diariamente no altar do sacrifício, como diz Paulo em Romanos 12.1-2. Portanto, negar a nós mesmos é condição essencial para a prática do discipulado. Não é só ensinar as pessoas a serem capazes de fazer alguma coisa, mas, principalmente, de negar a si mesmas.
Conclusão
Deus sempre nos revela Seu plano de forma progressiva. Jesus é Rei e é Filho. Ele revela como a Igreja é edificada através dos ministérios (Ef 4). O Reino é a chave da edificação, e o discipulado é a experiência que temos com a revelação. Todas as palavras e obras de Jesus são ensinos maravilhosos e necessários, mas só conseguiremos captá-los com essa revelação de Jesus em Mateus 16.
Transcrição e Edição: Luiz Roberto Cascaldi
コメント