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Uma questão de amizade

Atualizado: 8 de jul. de 2021

Jamê Nobre

…louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.” (At 2.47)

Esse texto nos mostra dois resultados: primeiro, os discípulos louvavam a Deus e caiam na graça de todo o povo; segundo, o Senhor acrescentava à igreja o número de salvos. São esses mesmos resultados que nós também queremos hoje. Queremos nossos vizinhos e amigos nos procurando e perguntando como fazer para se converter, nossos colegas de escola ou trabalho desejando se entregar a Jesus etc. Porém, isso é resultado das ações relatadas nos versículos anteriores.

“Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos.” (At 2.43)

Aqui fala da qualidade de vida que eles tinham: na alma de cada um havia temor e, por isso, muitos prodígios e sinais aconteciam. Havia um estado e um resultado.

“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.” (At 2.44,45)

Eles estavam juntos todos os dias. Se quisermos os resultados do verso 47 precisamos ter as mesmas práticas ou estilo de vida dos versos 43 a 45. Albert Einstein disse algo interessante: “Loucura é querer resultados diferentes repetindo as mesmas coisas todos os dias”.

“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração” (At 2.46).

Assim, para chegarmos ao verso 47 precisamos pedir graça ao Senhor para vivermos o que está relatado nos versos 43 ao 46. O problema é que somos cristãos muito “românticos”, que “basta estar escrito e acontece”. Mas não é assim! A Palavra precisa primeiro se encarnar em nós e, então, as coisas acontecem. É por isso que temos insistido em pregar o verso 42:

“E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.”

Esses quatro pontos são o que chamamos de “pilares” da vida da igreja. Quero aprofundar um pouco mais sobre o assunto “comunhão”.

“Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Co 1.9)

A comunhão com o Senhor Jesus é o mais importante e profundo chamamento que um cristão pode ter. Não existe nada maior ou prioritário do que isso. É a fonte de todas as demais coisas da vida, o primeiro chamado do cristão. Após esse, outros chamados virão: à santidade, ao ministério, a amar e servir as pessoas etc. Mas esse é a base de tudo!

A palavra grega usada para “comunhão” é koinonia, que significa: “fraternidade, associação, comunidade, comunhão, participação conjunta, relação; a parte que alguém tem em algo; participação; relação; comunhão; intimidade; oferta dada por todos; coleta; contribuição; que demonstra compromisso e prova de comunhão”.

Andar em comunhão expressa a capacidade de tornar comum o bem de cada um – as virtudes, as posses, as alegrias, as tristezas, as dores – em demonstração prática de afetos do coração. É um amor ardente e intenso, assim como no caso dos Filipenses, que se associaram com Paulo: “Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribulação” (Fp 4.14). Ou seja, ele “compraram ações na tribulação de Paulo”.

Precisamos ter uma atitude de insistir na comunhão, apesar das dificuldades. Comunhão aponta para a vida de partilha e comunicação da igreja; é fazer de todos os problemas de cada um; tornar comum as vitórias, conquistas e alegrias (chorar com os que choram e alegrar com os que se alegram); ter um estilo de vida intenso, ao ponto de ninguém se sentir sozinho no nosso meio e, quando um solitário se aproximar de nós, que seja atraído pelo amor de Jesus manifestado em nossas relações.

“O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa.” (1 Jo 1.1-4)

Os dois aspectos da morte de Jesus

O primeiro aspecto é o que podemos chamar de “questão jurídica”. Todo homem que peca assume uma dívida impagável com Deus e a justiça divina exige que ele seja morto (Ez 18.20; Rm 3.23), pois o salário ou pagamento do pecado é a morte (Rm 6.23). Deus não pode nos receber Nele na condição de pecadores. Por isso, sendo tão justo e misericordioso (aliás, no hebraico, essas duas palavras têm o mesmo significado), Ele matou Jesus por nossos pecados.

O segundo aspecto da morte de Jesus, que depende do primeiro, é que ele morreu para restaurar o nosso relacionamento com Deus. Primeiro ele paga nossa dívida; segundo, ele nos leva junto ao Pai para vivermos em comunhão com Ele. Deus mandou Jesus para restaurar o relacionamento que havia sido quebrado lá no Éden pelo pecado. Assim, o aspecto jurídico existe, é verdadeiro, mas depois disso o véu se rasga e nós entramos na presença de Deus para nos relacionarmos com Ele sem qualquer impedimento.

O grande opositor da comunhão é o pecado, mais precisamente o egoísmo ou egocentrismo, porque ele nos separa de Deus. E, se estou separado de Deus, automaticamente estou separado dos meus irmãos. Imaginemos um ponto de encontro, um vértice, que é o Senhor Jesus. Se temos duas linhas que saem de pontos diferentes e focam esse vértice, fatalmente elas se encontrarão lá. O que eu quero dizer com isso? Se você e eu somos pessoas de comunhão com Deus, com certeza iremos nos encontrar Nele. Isso significa que é impossível ter comunhão com Deus e não ter comunhão com os irmãos. Aquela história de que “eu sou cristão, mas não gosto de crente, não gosto de igreja” é incompatível com essa verdade. Se, por exemplo, você diz: “Hoje eu não quero ver nenhum crente na minha frente”, é porque você está com problema; “Ah, mas na igreja só tem gente falsa, não dá para ter comunhão com ninguém!”, você está com problema; “Ninguém ama a Deus como eu!”, você está com problema!

Ora, se o Senhor chamou a você e a mim para termos comunhão com Ele, fatalmente iremos nos encontrar em Jesus Cristo, pois é impossível ter comunhão com Ele sem ter comunhão com o irmão e isso precisa estar bem definido em nossa mente e coração. Se eu sentir qualquer rejeição contra qualquer pessoa preciso entender que eu, e não ela, está com problema.

Se você pertence a uma família de muitos irmãos, com certeza já teve conflitos e em algum momento disse a um deles: “Você não é mais meu irmão!” Será que isso muda alguma coisa? Quem lhe fez irmão dele foram seu pais, e não você. Da mesma forma, quem nos fez irmãos uns dos outros foi o Senhor, por uma operação soberana, autônoma e sobrenatural da parte Dele. Assim, nada do que eu possa fazer pode mudar a verdade de que somos irmãos em Cristo. Resumindo, o nosso chamado é para andarmos em comunhão com o Senhor e, automaticamente, teremos comunhão uns com os outros.

“E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua granjeai amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos.” (Lc 16.9)

Granjear amigos

Granjear é conquistar, trazer para perto. Essa palavra está no modo imperativo, é uma ordem. O nosso grande problema como cristãos é querer administrar as ordens de Deus: “Ah, Deus falou isso, mas não foi bem isso que Ele quis dizer!” Jesus nos ordenou a granjear amigos com as riquezas da injustiça. As riquezas atuais que chegam às nossas mãos são extremamente injustas por causa da má distribuição, das origens duvidosas, das contaminações havidas no seu trajeto; enfim, precisam ser santificadas ao chegar às nossas mãos pois são de origem injusta. Devemos consagrá-las ao Senhor pelos dízimos e pelas ofertas.

Entendemos pelo texto que todas as riquezas que chegam às nossas mãos devem ser usadas para juntarmos amigos, pois, quando as mesmas acabarem (e vão acabar, pois no céu não precisaremos delas), nos encontraremos com os amigos que juntamos por meio delas. Use sua casa, seu carro, seu trabalho, seu dinheiro, seus negócios para fazer amigos. Missões, por exemplo, é o envio de amigos para granjear novos amigos. Se ajuntamos apenas coisas materiais, não teremos a possibilidade de receber os frutos disso na eternidade, mas, se usarmos as coisas dessa vida para levar amigos para o Reino de Deus, eles nos receberão na eternidade futura.

Assim, o ensino de Jesus é que as riquezas não podem ser usadas para o nosso próprio benefício, mas para conduzirmos pessoas para o Reino de Deus, para o suprimento de outros e para a alegria do nossos próximos (Ef 4:28; Ec 4:8). As parábolas relatadas em Lucas 15 mostram isso:

“E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. (…) E achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida. (…) E trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos…” (Lc 15.6,9,23).

O grande alvo de Deus é nos fazer amigos Dele. Por isso, devemos nos envolver nessa mesma tarefa e propósito. Um pensador disse que precisamos ser mais ansiosos em cuidar do nosso futuro no céu do que o homem da parábola acima estava ansioso quanto ao seu futuro na terra. Esse homem tinha uma grande dívida com o seu senhor porque usava seu dinheiro erradamente. Quando o senhor dele assumiu a administração, esse homem correu e fez um acordo com os devedores, pois ficou muito preocupado com o seu futuro. Ora, se nós nos preocupamos com o nosso futuro, então devemos juntar coisas para esse futuro (que é celestial, e não terreno). As riquezas naturais – casas, móveis, roupas etc. – não nos receberão nos céus, mas os nossos amigos sim.

Comunhão é manifestação de amizade

A igreja é caracterizada pelo relacionamento entre seus membros. Isso reflete o caráter do Seu fundador, o Senhor, que é um caráter de relacionamento, de amizade. No princípio, todos os dias Ele vinha conversar com Adão e Eva. Deus quis andar em amizade com o homem, mas o pecado cortou essa amizade, lançando a inimizade entre o homem e Deus e entre o homem e seu semelhante.

No decorrer da história, Ele achou algumas pessoas com quem podia conversar abertamente: Enoque, Abraão, Moisés etc. Mas, não satisfeito com isso e como uma atitude radical, desceu dos céus para morar entre nós e diminuir essa distância. Ainda não satisfeito, enviou o Espírito Santo para habitar dentro de nós, porque “do lado”, para Ele, ainda é muito longe.

Assim, esse Deus de relacionamento, quando entra em nossas vidas, começa a estabelecer relacionamentos entre nós e os outros filhos Dele. Quando Jesus Cristo morreu na cruz ele desfez as inimizades e Paulo explica isso:

“Na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” (Ef 2.15,16)

Uma outra versão diz “matou a inimizade”. Ora, ninguém pode usar uma coisa que foi morta, desfeita, que não existe mais. Quando algo morre perde o seu poder, a sua ação. Então é ridículo quando um cristão fica em inimizade com seu irmão, pois está abrigando em seu coração um “cadáver”. É totalmente ilógico ter em seu coração qualquer semente ou raiz de inimizade!

Inimizade não é uma “briga grande”, mas simplesmente a falta de amizade. Como é que um cristão que tem o Espírito Santo, o Deus da comunhão dentro de si, consegue ter qualquer barreira com outros cristãos? Eu não estou falando sobre “profundidade” de relacionamento ou amizade, pois ninguém consegue ter o mesmo grau de afinidade com todos da congregação. No entanto, não posso ter nenhum sinal de rejeição ou inimizade contra qualquer pessoa.

É verdade que existem situações onde olhamos para alguém e pensamos: “Eu não vou com a cara dele!” Há muitos anos, fui trabalhar com uma tribo indígena e eu e um índio tivemos inimizade ao primeiro olhar. Não “íamos com a cara um do outro” e descansamos nisso. Nas reuniões da aldeia ficávamos bem distantes. Mas Deus fez um milagre e eu passei a ser o melhor amigo dele. Acabou, morreu aquela inimizade. Assim, é impossível que um cristão cheio do Espírito Santo seja indiferente aos seus irmãos. A indiferença, eu creio, é uma das armas mais ferinas e diabólicas que existe.

A igreja é um lugar de amizades sólidas

É o lugar onde Deus nos coloca para aprendermos a andar em amizades sólidas e leais, treinando-nos para a eternidade. Então, se vamos conviver com os nossos irmãos na eternidade, devemos começar a treinar isso hoje, pois as amizades são ferramentas de Deus para nos aperfeiçoar.

“Como o ferro com ferro se aguça, assim o homem afia o rosto do seu amigo.” (Pv 27.17)

É impossível nos aperfeiçoarmos sem a ajuda da igreja, sem viver na comunhão dos santos. Se nos lembrarmos que a inimizade foi morta conseguiremos agir diferente. Certa vez ouvi uma pregação de um pastor indiano falando acerca das cinco pedras que Davi pegou no ribeiro (1 Sm 17.40). O texto fala de cinco “seixos”, pedras bem lisas e redondas. Mas, como elas se tornaram assim? Justamente por rolarem dentro do rio, batendo umas nas outras – e o nome desse rio é IGREJA!

Alguns dizem: “Estou tendo muito choques, muitos atritos com os irmãos!” Isso não significa que eles são ruins, mas que todos ainda temos muitas arestas. E o processo para nos tornarmos “lisos e redondos” continuará até que todas as arestas acabem. Eu sei que a igreja tem problemas, pois é constituída de pessoas como eu e você. Não é saindo da igreja ou do rio que resolveremos nossos problemas, porque as arestas continuarão. Então é melhor ficar, mesmo com problemas, pois sabemos que no final o Senhor vai nos aperfeiçoar na comunhão dos santos. Portanto, seja bem-vindo à igreja, ao rio de Deus que vai nos fazer chocar uns com os outros até que todos sejamos aperfeiçoados na comunhão!

“Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto. Leais são as feridas feitas pelo amigo, mas os beijos do inimigo são enganosos. (…) O óleo e o perfume alegram o coração; assim o faz a doçura do amigo pelo conselho cordial. (…) Como o ferro com ferro se aguça, assim o homem afia o rosto do seu amigo.” (Pv 27.5,6,9,17)

O que você escolhe, beijos do inimigo ou feridas do amigo? O primeiro é enganador, mas o segundo pode nos curar, pois somos curados, limpos e aperfeiçoados na comunhão dos santos. O conselho cordial do amigo é doçura, mas, infelizmente, temos sido ensinados nos últimos milênios que não devemos receber conselho de ninguém, que cada um sabe o que deve fazer, que não precisamos uns dos outros. Essa mensagem tem uma só origem: o inferno!

Podemos ter relacionamentos com qualquer pessoa, mas comunhão só com aqueles que temem o nome do Senhor. Jesus se relacionava com gentios, publicanos, pecadores; no entanto, sua comunhão era apenas com seus amigos. Por isso não podemos ter amizades indistintamente. Se ao aprofundarmos uma amizade o Senhor Jesus não for a terceira dobra do cordão (Ec 4.12), a tendência dessa relação será abaixar o nível moral. Passamos a ser permissivos, condescendentes com o pecado, a corromper e ser corrompidos. No começo das amizades geralmente nos tratamos formalmente, mas, à medida em que ela se aprofunda, passamos a ser mais informais. Isso é bom, mas não podemos permitir que a informalidade nos leve para a imoralidade, para aquilo que não presta, que não é do Senhor. Por isso é preciso ter muito cuidado! Nossas amizades não podem ser a qualquer preço, mas devem ter Jesus como base e elemento de ligação, controle, fiscalização entre nós.

Isso serve para qualquer área de relacionamento. No casamento, se for o Senhor quem une o casal essa relação será santa. Mas, se ele não estiver no meio, a relação será perniciosa. É por isso que a Palavra diz: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula…” (Hb 13.4), porque pode haver prostituição e perda de santidade e moralidade se Jesus não for o elemento que liga o casal.

A amizade não é a qualquer preço

Ela precisa nascer no coração de Deus. Por isso é santa. Se ela não se situar ao redor de Jesus não vale a pena ser mantida, pois somente a amizade produzida pelo Espírito Santo é eterna e abençoadora. Quando Moisés desceu do monte com as tábuas da Lei e encontrou o povo em idolatria, o Senhor lhe deu a seguinte ordem:

“E disse-lhes: Assim diz o Senhor Deus de Israel: Cada um ponha a sua espada sobre a sua coxa; e passai e tornai pelo arraial de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e cada um a seu vizinho.” (Ex 32.27)

“Quando te incitar teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te é como a tua alma, dizendo-te em segredo: Vamos, e sirvamos a outros deuses que não conheceste, nem tu nem teus pais; dentre os deuses dos povos que estão em redor de vós, perto ou longe de ti, desde uma extremidade da terra até à outra extremidade; não consentirás com ele, nem o ouvirás; nem o teu olho o poupará, nem terás piedade dele, nem o esconderás; mas certamente o matarás; a tua mão será a primeira contra ele, para o matar; e depois a mão de todo o povo. E o apedrejarás, até que morra, pois te procurou apartar do Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão…” (Dt 13.6-10)

A ordem foi para que irmão matasse irmão, amigo matasse amigo. A amizade não pode ser sem santidade. Claro que o nosso Senhor não nos permitirá tirar a vida de ninguém. Só Ele tem esse poder, mas o que podemos aprender com esses textos é que Deus deve ser o eixo dos nossos relacionamentos, que tem de ser santos como Ele é santo.

Infelizmente, a tendência dos relacionamentos, quando perdem a referência do Senhor e Sua santidade, é perder o nível de respeito, de honra e de pureza. A princípios somos respeitáveis e respeitadores, mas depois nos tornamos permissivos, corrompemos e somos corrompidos.

A nossa amizade tem de produzir bênção para os outros. Não pode se tornar uma panela fechada onde outros não podem entrar, mas uma relação inclusiva que traz graça ao seu redor. As nossas amizades têm de produzir frutos eternos para nós e para outros. Quando se perde a santidade, o relacionamento deixa de ser de comunhão e passa a ser um “campo missionário”, ou seja, a pessoa deixa de ser meu irmão e passa a ser alvo do meu evangelismo.

Eu conheci um tenente da Aeronáutica que era ordenança de um coronel e, quando juntavam os oficiais no gabinete desse coronel, contavam-se casos e piadas obscenas, imorais. Mas, quando o tenente chegava, aquele coronel dizia: “Vamos parar de contar esses casos, porque ele não gosta”. Assim, precisamos estabelecer regras em nossos relacionamentos.

Quando eu era mais novo, trabalhava em uma grande fábrica em São Paulo e na hora do almoço juntava moços e moças para contar piadas sujas. Eles sabiam que eu era pastor e contavam aquelas coisas para mexer comigo, mas eu continuava estudando e trabalhando. Certo dia, um deles me perguntou: “Você não se importa que fiquemos perto de você contando essas piadas?” Respondi: “Não, porque cada um tem a sua voz. O cachorro late, o gato mia e vocês contam essas coisas. Eu nunca briguei com um cachorro porque ele latiu ou com um gato porque ele miou; por que brigaria com vocês por isso que falam?” E eles nunca mais fizeram aquilo perto de mim! Amizade tem critérios, padrões – e esses são impostos pelo Senhor. O que eu preciso é influenciar, e não ser influenciado.

“Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais.” (1 Co 5.11)

“Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais seus companheiros.” (Ef 5.6,7)

Uma vez eu me dispus a conquistar um irmão que estava afastado do Senhor. Procurei saber as coisas que ele gostava e uma delas era mecânica. Gastei bastante tempo com ele mexendo em carros. Não avancei muito, mas então descobri que ele também gostava de pescar. Viajamos juntos por 25 horas até um rio em Mato Grosso. Chovia muito, o rio estava cheio e não pescamos praticamente nada. Mesmo com tudo isso não consegui conquistá-lo. Então parei. Eu não posso ser indiferente, preciso fazer o movimento de aproximação, mas tudo com critérios, padrões, objetivos.

Quem não vai querer fica em uma congregação onde as pessoas são amigas? Quem, ao ser bem recebido, bem tratado, bem honrado não vai querer voltar? Quem não vai querer conviver ao lado de pessoas bondosas, compassivas, amorosas? Precisamos mudar os nossos enfoques e sermos pessoas de comunhão, relacionamentos, amizades. É na igreja que conhecemos a provisão de Deus, que recebemos a saúde do Corpo de Cristo, que conhecemos os Natãs que, com coragem e amor, apontam os nossos erros, nossos pecados e nos dão a chance de consertar e arrepender.

A igreja não é um espaço onde recebemos sem dar. Não é um lugar no qual somos supridos em nossa necessidade teológica ou intelectual. A igreja é a família de Deus e isso quer dizer que a alma é uma só, que o coração é um só e que a vida do Espírito Santo flui nos relacionamentos, permitindo que Cristo toque em cada um e o mundo reconheça que ele foi mandado por Deus. Quantas pessoas já se perderam por falta de amigos?

Não devemos esperar amizade sem decepções ou desilusões

Enquanto formos amigos de pessoas iguais a nós, débeis e inconstantes, vamos estar sujeitos a traumas produzidos por incidentes nos relacionamentos.

“Até o meu próprio amigo íntimo, em quem eu tanto confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar.” (Sl 41.9)

“E se alguém lhe disser: Que feridas são estas nas tuas mãos? Dirá ele: São feridas com que fui ferido em casa dos meus amigos.” (Zc 13.6)

Eu descobri que existe uma vacina contra a decepção: não esperar nada. Somente assim nunca seremos decepcionados. Eu sempre espero a obra de Deus nas pessoas, mas não algo delas mesmas. Todo bom ato, todo dom perfeito, tudo de reto e santo em minha vida vem de Deus; então, não posso cobrar nada de ninguém, exigir ou colocar cargas sobre meus amigos, porque quando eu entro em uma amizade apenas para ganhar, jogo sobre a pessoa uma carga que ela não pode carregar. Ela fica devedora de cumprir as minhas expectativas, e isso não pode acontecer. Deus estava tão certo em não esperar nada de nós que mandou Seu Espírito habitar em nosso interior para realizar o que Ele deseja.

Também pode suceder de termos “amigos” somente nas horas que podemos dar alguma coisa. Depois disso eles nos deixam, como na hora em que Jesus multiplicou os pães. De qualquer maneira, precisamos estar cientes de que as amizades são provadas pelas circunstâncias e pelos acontecimentos. Nenhuma amizade fica sem prova:

“Muitos se deixam acomodar pelos favores do príncipe, e cada um é amigo daquele que dá presentes.” (Pv 19.6)

 “Em todo o tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão.” (Pv 17.17)

“Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele.” (Jo 11.16)

Em Belo Horizonte havia uma empresa de cobranças, onde os cobradores usavam um paletó vermelho com letras brancas e garrafais nas costas escrito: “cobrador”. Quando batiam à porta de alguém toda a vizinhança ficava sabendo que aquela pessoa tinha uma dívida não paga. Nós não temos esse paletó, esse mandato, esse ministério! Por isso, não vamos cobrar nada! Faça sua vida e dos irmãos ser mais tranquila, mais leve. Espere, sim, de você mesmo – seja amigo!

Outra coisa: dê às pessoas o direito de não serem suas amigas, mas não exija esse mesmo direito delas. Eu tiro essas palavras da relação de Jesus com Judas. Judas não era amigo de Jesus, mas Jesus era amigo dele e amou-o até o fim (Jo 13.1). Na última Ceia, Jesus fez o ato de maior demonstração de carinho possível: ele molhou o bocado de pão e colocou na boca de Judas, um gesto de altíssimo valor, dizendo-lhe: “Amigo, o que tens de fazer, faze-o depressa” (Jo 13.27). Mais tarde, no Getsêmani, quando Judas chegou com os soldados e beijou Jesus, esse lhe disse: “Amigo, para que vieste?” (Mt 26.50). Jesus não usava de força de expressão – quando ele o chamou de amigo é porque realmente o considerava amigo. Eu digo que Jesus sempre falou o que quis falar e sempre quis falar o que falou. E ele nos chamou de amigos (Jo 15.13-15), pois é para esse nível que ele quer nos levar.

A amizade revela os corações.

Os amigos são abertos entre si. Falam de suas aspirações, seus medos, seus planos e, por isso, a amizade provê ajuda e proteção. A transparência revela a amizade que existe: quanto maior a amizade, maior a transparência.

“Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer.” (Jo 15.15)

“E falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo; depois tornava-se ao arraial; mas o seu servidor, o jovem Josué, filho de Num, nunca se apartava do meio da tenda.” (Ex 33.11)

Um cuidado: não entre em autocomiseração dizendo que não tem amigos. Não busque amigos verdadeiros, mas seja você um amigo verdadeiro. Tome sobre sua vida essa responsabilidade. Dê uma olhada na congregação, veja quem está sem amigos e seja amigo delas. Entre em comunhão para ajudá-las, exortá-las, animá-las. A coisa mais lucrativa, de maior futuro para nós, é fazer amigos. Tudo o que temos deve ser investido no empreendimento de granjear e manter amigos, de fazer amizades.

Podemos ter uma doutrina absolutamente correta sem termos amigos, mas a visão não substitui os relacionamentos. A doutrina não é maior do que a amizade. Refiro-me a amizades que glorificam ao Senhor, que visam, em última instância, a glória de Deus. Se não temos e mantemos as amizades, somos meros empresários de um negócio religioso a que chamamos indevidamente de “igreja”, pois a verdadeira igreja é um lugar onde estão os verdadeiros amigos.

Precisamos de amizades sólidas e profundas às quais podemos recorrer nos momentos de aflição e que nos alegram nos momentos de descontração. Precisamos de amigos que, em cuja ausência, sentimos saudades; amigos que nos atraem para mais perto do Senhor e que nos desafiam a sermos santos. Essa é a igreja que o Senhor deseja!

“Senhor, eu quero ser amigo. Tira-me do meu casulo, do meu ostracismo, do meu isolacionismo, de mim mesmo. Eu quero ser amigo com a Tua graça, com o Teu poder, com a Tua força. Tu sabes que de mim mesmo não tenho condições, mas o Senhor é o Amigo por excelência que vive em mim. Assim, no Teu poder, na Tua força eu posso e quero ser amigo dos que não têm amigos. Senhor, faz a Tua obra através de mim, alcançando pessoas solitárias, pessoas sedentas de amizade. Senhor, nesse mundo tão competitivo, pessoas prejudicando e ferindo umas às outras todos os dias, eu quero fazer a diferença. Queremos ser um povo de comunhão, um povo que vive na amizade do Senhor. Em nome de Jesus Te pedimos. Amém!”

Eu não sei o que seria de minha vida sem irmãos e irmãs.

Sem amigos que com o amor de Jesus mudaram meu coração.

Quando sem destino algum eu caminhava para o fim.

Eles estenderam suas mãos pra mim!

Eu não sei o que seria de minha vida, sem irmãos e irmãs.

Sem a igreja de Cristo que está presente e viva ao meu redor.

A comunhão, a oração, que nos unem ao Senhor.

Trazem-me alegria e mais vontade de viver.

E se a cada dia neste amor nos unirmos mais e mais.

Nós podemos nosso mundo transformar!

E que muitos como eu, assim possam cantar:

“Eu não sei o que seria sem irmãos e irmãs!”

(“Irmãos e Irmãs”, Asaph Borba)

Transcrição e Edição: Luiz Roberto K. Cascaldi

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